Um mês de governo Temer: 5 fatos e 5 dúvidas
12 de junho de 2016

Quando o Senado decidiu processar e, com isso, afastar temporariamente a presidente Dilma Rousseff, em 12 de maio, o vice Michel Temer assumiu o cargo defendendo um governo de "salvação nacional".

Em seu primeiro discurso, no mesmo dia, o presidente interino prometeu, por exemplo, estimular o ambiente de negócios para combater a crise, promover reformas como a da Previdência e proteger a operação Lava Jato de interesses políticos.

Passado um mês,levantamos cinco fatos e cinco dúvidas sobre a nova administração:

O QUE É FATO

1) Bom relacionamento com o Congresso

O apoio dos parlamentares, que afastaram Dilma, foi essencial para a chegada de Temer ao poder.

Político experiente e ex-presidente da Câmara, em um mês ele conseguiu vitórias importantes, como a aprovação da redução da meta fiscal, autorizando o governo a concluir o ano com um déficit recorde de R$ 170,5 bilhões.

A aprovação era considerada fundamental para fechar as contas sem cortar investimentos e programas sociais.

Além disso, a Câmara aprovou a prorrogação até 2023 da DRU, dispositivo que autoriza a União a utilizar como quiser 30% da arrecadação.

Relação de Temer com Congresso tem sido melhor do que a de Dilma
Relação de Temer com Congresso tem sido melhor do que a de Dilma

Para o cientista político Nuno Coimbra, pesquisador da USP, essas conquistas mostram uma relação com parlamentares muito melhor que a de Dilma ─ o que não necessariamente levará a resultados positivos para governo e país.

"Temer ainda está pagando o apoio que recebeu para chegar ao poder. Temos de ver se haverá uma contrapartida deles passando as outras agendas econômicas que o governo quer."

2) Menor diversidade no gabinete

Foi a primeira vez desde 1979 que apenas homens formam o gabinete de ministros.

Diante das duras críticas, Temer nomeou mulheres para cargos como o de presidente do BNDES ─ ocupado pela economista Maria Silvia Bastos Marques.

O interino teve dificuldade, porém, para encontrar uma auxiliar para assumir a então Secretaria de Cultura, que ficaria subordinada à Educação. Após pelo menos cinco recusas, escolheu o diplomata Marcelo Calero ─ que foi promovido a ministro com a recriação da pasta.

Temer gerou polêmica ao não colocar nenhuma mulher no seu ministério
Temer gerou polêmica ao não colocar nenhuma mulher no seu ministério

3) Governo 'sem medo' de recuar

Algumas idas e vindas marcaram esse primeiro mês, entre elas a decisão de recriar o Ministério da Cultura. O recuo ocorreu após protestos de artistas em todo o país contra a extinção da pasta.

Falas de ministros também tiveram de ser "corrigidas".

Primeiro, Alexandre de Moraes (Justiça) disse em entrevista que iria sugerir a Temer que colocasse fim à tradição de escolher o primeiro colocado da lista tríplice votada pelo Ministério Público para comandar a Procuradoria-Geral da República ─ praxe adotada nos governos anteriores.

Após reações negativas, Temer afirmou que continuará indicando o nome mais votado.

Em outro caso que se tornou célebre, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, afirmou que o tamanho do SUS precisaria ser revisto. Diante da reação negativa, ele próprio recuou e negou planos nesse sentido.

4) Mudança de rumo na política externa

Ao tomar posse, o ministro José Serra (Relações Exteriores) disse que o Itamaraty não defenderia mais o que ele chamou de "interesses de um partido" ─ em referência aos anos petistas ─ e destacou o objetivo de aumentar o intercâmbio comercial com "parceiros tradicionais" como Japão, EUA e União Europeia.

Ao assumir cargo, Serra disse que não iria servir a 'interesses de partido' no posto
Ao assumir cargo, Serra disse que não iria servir a 'interesses de partido' no posto

Além disso, a pasta adotou um tom mais duro ao responder a países como Venezuela, Cuba, Bolívia e Nicarágua, que atacaram o processo de impeachment. Em comunicados oficiais, o Itamaraty usou termos como "falsidade", "preconceitos" e "absurdo" para classificar a opinião dos vizinhos.

A jornalistas, Serra negou que esteja partidarizando a condução da política externa.

5) Equipe econômica forte

"Queridinho" dos empresários e "fiador" do então presidente Lula junto ao mercado, o ministro Henrique Meirelles se tornou um dos nomes mais fortes do gabinete de Temer, dando também um peso maior à Fazenda ─ um contraponto aos anos de Dilma, que, segundo analistas, era quem realmente dava todas as cartas na economia.

Meirelles assumiu com três eixos de medidas na cabeça: fixar o teto para o crescimento dos gastos públicos, reformar o sistema previdenciário e racionalizar o sistema tributário.

O professor Rogério Mori, da FGV-SP, lembra que nomes fortes também foram escolhidos para comandar BNDES, Banco Central e Petrobras.

"A impressão que ficou é que havia um rombo muito grande do governo anterior, e que agora os problemas estão sendo dimensionados", disse.

O QUE É DÚVIDA

1) Apoio à Lava Jato e ao combate à corrupção

Em seu primeiro discurso, Temer afirmou que daria proteção "contra qualquer tentativa" de enfraquecer a Operação Lava Jato, que investiga o esquema de corrupção na Petrobras.

Duas semanas depois, porém, vieram à tona gravações de conversas entre o (agora ex) ministro Romero Jucá (Planejamento), um de seus aliados mais próximos, e o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. Nelas, Jucá sugere que a mudança de governo poderia "estancar a sangria" representada pela operação.

Gravações de aliados de Temer sugerem que mudança de governo poderia 'estancar sangria' da Operação
Gravações de aliados de Temer sugerem que mudança de governo poderia 'estancar sangria' da Operação

A notícia colocou em xeque o compromisso do governo com o combate à corrupção, incerteza que cresceu com a queda do ministro Fabiano Silveira (Transparência, Fiscalização e Controle), ocorrida após a divulgação de áudios em que ele critica a Lava Jato e orienta o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), e Machado sobre como se portar em interrogatórios.

Além disso, muitos questionam o fim da CGU (Controladoria-Geral da União), agora englobada pela pasta que Silveira comandava.

2) Efetividade de medidas de combate à violência contra a mulher

Depois do estupro coletivo de uma adolescente no Rio, o governo anunciou ações como a criação de um núcleo federal de enfrentamento à violência de gênero e a padronização de um protocolo de atendimento às mulheres.

As iniciativas, no entanto, não têm prazo para serem executadas e não possuem metas. Para críticos, seria um pacote "vazio".

Responsável pelo anúncio do plano, o ministro da Justiça não detalhou quanto ele custará.

3) Pacote de austeridade

Nos discursos da equipe econômica e de Temer, um assunto é quase onipresente: a necessidade de cortar gastos, controlar a dívida pública e diminuir o déficit primário do país.

Nesta sexta, por exemplo, o governo anunciou o corte de 4,3 mil cargos comissionados e transformou 10 mil cargos em concursados, defendendo que isso economizará R$ 230 milhões anuais.

Mas suas principais medidas ainda são dúvida, entre elas a Reforma da Previdência (veja abaixo) e a adoção de um teto para os gastos públicos ─ segundo o qual o percentual de crescimento dos gastos em um ano não ultrapassaria a inflação do anterior.

A aprovação da proposta pelo Congresso pode ser difícil ─ líderes dos maiores partidos nas Casas não querem se comprometer com ela nos termos do governo. O projeto mexeria nos gastos com saúde e educação, o que, por ser altamente impopular, enfrenta resistência.

Mori, da FGV, diz que a aprovação vai depender da capacidade de negociação.

Temer tem grande desafio na economia
Temer tem grande desafio na economia

"Temer tem uma vantagem infinitamente maior do que Dilma e Lula, porque conhece o que acontece na cabeça dos parlamentares, entende o jogo. Ao mesmo tempo, tem uma série de fragilidades e não possui respaldo popular, porque não foi eleito. É uma situação complexa."

4) Reforma da Previdência

Tida como prioridade para melhorar as contas públicas, uma Reforma da Previdência é discutida há décadas ─ o objetivo seria corrigir o desequilíbrio entre o que se gasta com pensões e o que se arrecada com impostos.

Meirelles afirmou que um grupo de trabalho foi criado para discuti-la. Centrais sindicais e parte dos parlamentares, porém, são refratários a ideias como criar uma idade mínima para aposentadoria, defendida pelo ministro.

Há dúvidas até se os líderes do PMDB de Temer darão apoio total à ideia, dado seu potencial impopular.

5) Temer fica até 2018?

A dúvida mais crucial é se Temer continuará na presidência até o fim de 2018, ano das próximas eleições presidenciais.

Um dos pontos que alguns senadores têm discutido é a possibilidade de mudar seu voto no julgamento final sobre o impeachment de Dilma, que vem acenando com uma proposta de plebiscito para consultar a população sobre novas eleições.

O cientista político Nuno Coimbra avalia, porém, que chances da petista voltar são remotas, dada a inexistência de diálogo dela com os parlamentares e sua impopularidade.

Temer assumiu como interino em 12 de maio
Temer assumiu como interino em 12 de maio

Com Temer, diz Coimbra, os congressistas têm maior margem de manobra para negociar cargos e interesses.

Mas o peemedebista também tem um problema no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que analisa as contas de 2014 da chapa Dilma-Temer, acusada de receber recursos do esquema de corrupção na Petrobras.

Há a possibilidade de ambos serem cassados, embora Temer já tenha pedido que seu caso seja analisado separadamente - ele diz que não pode ser julgado por atos atribuídos a Dilma e ao PT.

A decisão final, porém, pode demorar: o presidente do TSE, Gilmar Mendes, já declarou que o julgamento dificilmente ocorrerá ainda neste ano.

Fonte BBC Brasil

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