BETE DO PESO PARTICIPA COMO ÁRBITRA N° 1 NOS JOGOS PAN AMERICANOS 2019 NO PERU
1 de agosto de 2019

Uma vida dedicada ao esporte e à quebra de preconceitos. Maria Elizabete Jorge fez e continua fazendo história no levantamento de peso. Em um meio por muito tempo masculinizado, repleto de estereótipos machistas, foi pioneira. Bete do Peso, como é popularmente conhecida, foi a primeira halterofilista brasileira a competir nos Jogos Olímpicos. Em Sydney 2000, edição de estreia das mulheres da modalidade em Olimpíadas, ela derrubou barreiras e abriu caminho para muitas atletas que representariam o país nas duas décadas seguintes.

Aos 62 anos, a mineira de Viçosa pode dizer que já fez de tudo um pouco: foi goleira no handebol, jogou basquete, praticou atletismo, e, antes de se encontrar no levantamento de peso, trabalhou como lavadeira, garçonete e faxineira em sua cidade natal. Hoje em dia, após longa passagem como técnica da seleção brasileira da modalidade, ela mantém um projeto social para a formação de talentos, atua como árbitra no halterofilismo – esteve, inclusive, nos Jogos Lima 2019 – e quer manter seu legado para o esporte que a fez conhecer o mundo.

 

“Traficantes conseguem conquistar jovens. Por que o esporte não? Quero fazer essa diferença. Quero conquistar os jovens e trazê-los para o esporte”, afirma Maria Elizabete em entrevista à reportagem do R7, no último dia de competições da modalidade em Lima 2019.

“Hoje, quando vejo as pessoas com preconceito, eu explico como funciona a modalidade, o que é. Só porque a mulher está levantando peso, isso não quer dizer que ela ficará como um homem. Inclusive, o levantamento de peso aumenta muito o apetite sexual da mulher e do homem”, diz a ex-atleta, que defende que a modalidade é mais adaptável à mulher que ao homem.
Os centros de gravidade da mulher e do homem, argumenta ela, ficam em lugares diferentes. “Neles, na altura do peito. Nelas, abaixo do umbigo. E é nas pernas que fazemos a força para levantar o peso. Os homens nem sabem que é um esporte mais para a mulher. O que homem gosta de fazer na academia? Bíceps e supino. A mulher tem postura de agache, que é a posição do encaixe da coluna da gestante, e você levanta o peso com a perna. Então é mais adaptável mais para elas”, garante a lendária Bete do Peso.

 

Primeiros passos no esporte

Filha de um antigo funcionário da UFV (Universidade Federal de Viçosa) e de uma dona de casa, a segunda de seis irmãos viveu em uma casa da qual o extenso terreno da universidade ficava ao lado.

“Sempre fui acostumada a fazer exercícios por lá. Quando criança, corria atrás das galinhas, das vacas e vivia subindo em árvores”, conta. Na escola, o primeiro contato da adolescente com o esporte foi no handebol, como goleira. Logo migrou para o basquete, e, depois da chegada de um novo professor de educação física, fez um teste no atletismo, ainda que contra sua vontade.

“Eu não queria, mas ele falou para eu tentar. Fui a melhor da turma, fazendo 12 voltas em 12 minutos. Aí não parei mais. Fiquei no atletismo por muitos anos. Corria 100 metros, 100 metros com barreiras, 200 metros, fui para os 400 e 800. Passei para as provas de 3.000 e 5.000 metros. Quando vi, estava correndo provas de rua, meia-maratona, maratona... Inclusive corri a São Silvestre por seis anos consecutivos”, relembra.

Encontro com o halterofilismo

Para conciliar os treinos e sobreviver, Maria Elizabete trabalhava em diferentes funções. Foi faxineira, garçonete em uma pizzaria e lavadeira das roupas dos estudantes da UFV. Aos 32 anos, conheceu David Montero Gómez, engenheiro colombiano radicado no Brasil que teve participação ativa mas também controversa no crescimento do halterofilismo no país. Ele tornou Viçosa um dos polos do país no esporte e chegou a presidir a confederação brasileira da modalidade, mas foi afastado em 2008 por improbidade administrativa.

Para a carreira de Bete, Gómez foi importante. Foi dele o convite, em 1988, para Bete praticar o levantamento de peso. Por preconceito, ela recusou. Anos depois, ele insistiu.

“Depois do primeiro convite, eu continuei correndo. Mas estava sem treinador e desanimada. Em 1991 eu encontrei com o professor David e ele me convidou mais uma vez. Pensei: ‘Por que não?’. E fui. O treino seria no dia seguinte à conversa, uma segunda, mas me esqueci e faltei. Na mesma noite, cruzei com ele por coincidência e, morrendo de vergonha, perguntei quando seria o próximo. Ele falou que seria na quarta-feira”, se recorda ela, que nunca esqueceu da data que mudou sua vida: “Foi naquela quarta-feira, 23 de janeiro de 1991, às 16 horas, que eu entrei no levantamento de peso e nunca mais saí”.

Somente pouco mais de um ano de treinos bastou para ela ir ao Campeonato Sul-Americano, na Argentina, e se sagrar campeã. Na Colômbia, em 1994, conquistou o bicampeonato continental, e foi disputar o Mundial na Turquia, ficando na sétima colocação.

Bete conta que, certa vez, treinando ao lado de Gómez e alguns colegas em Viçosa, ‘previu’ sua participação em uma Olimpíada. “O professor David falou uma vez: ‘As mulheres [do halterofilismo] um dia vão entrar nos Jogos Olímpicos’. E eu respondi: ‘E nós vamos estar lá’. Ele riu, me olhou e deve ter pensado que eu estava sendo prepotente, velha daquele jeito e querendo Olimpíada. Até porque ele falou que o Brasil iria, mas não disse com quais atletas”, diz ela, rindo.

Participação histórica nos Jogos Olímpicos de 2000

O caminho da mineira para disputar a Olimpíada de 2000 não foi simples. “Em 1999, participei do Mundial na Grécia. Eu precisaria estar entre o 1º e o 15º lugar para ir aos Jogos Olímpicos em Sydney. Infelizmente fiquei no 16º. Mas percebi que, entre as 15 primeiras, alguns países tinham mais de uma atleta, então avisei ao David e ele tentou falar com a federação, mas não tivemos resposta naquele momento”, relata.

E então veio a repescagem, a última chance de vaga aos Jogos. “A gente precisava do terceiro lugar para ir por equipe, e ficamos em quarto. Fiquei chateada. Até então eu não sabia, mas estava classificada no individual. O professor David não tinha ainda a confirmação que conseguiria a classificação pelo Mundial”, conta Bete, que não muito tarde sentiria o alívio pela confirmação da Sydney.

“Alguns dias depois, já no Brasil, tivemos a confirmação por telefone da classificação, porque tinham pegado uma venezuelana e uma chilena no doping. E aí foi só alegria: aos 43 anos, fui a primeira mulher a representar o Brasil nessa modalidade em Olimpíadas, na primeira Olimpíada com mulheres na modalidade”, brada Bete, cheia de orgulho.

A atuação nos Jogos, no entanto, não foi a esperada: “Fui preparada para pegar, no mínimo, o quinto lugar, mas tive alguns problemas por lá. Sempre treinei com a barra [de peso] masculina, e quando cheguei vi que seria a feminina. Fui treinando e apareceram alguns calos, e aí saiu a pele da palma da mão. Eu continuei treinando machucada, sem problema algum. Mas aí chegaram as meninas que competiriam comigo e, nos treinos, elas transpiravam muito, e as barras começaram a ficar com ferrugem. Como eu não tinha proteção, peguei infecção nas mãos bem perto do dia da competição”.

Para tentar acabar com a dor e tirar a inflamação, Bete colocou as mãos em um balde de água fervente com sal. “Eu não tinha médico nem nada, e fiz essa burrice. A inflamação piorou. Doía demais, mas eu não podia deixar de representar meu país”, conta. Mesmo com a mão infeccionada e doendo, ela ainda levantou um total de 135 kg e ficou no nono lugar.

“Apesar de tudo, valeu muito. Sinto muito orgulho de ter participado da Olimpíada. E isso ainda abriu as portas para as mulheres brasileiras na modalidade”, diz.

Fonte: Portal R7.

 

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