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Pesquisa da UFV debate riscos para dupla safra na Amazônia e motivos para conservação da floresta
20 de novembro de 2019

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Duas pesquisas publicadas recentemente em revistas de grande prestígio internacional mostram que os produtores do agronegócio na Amazônia têm bons motivos para também se tornarem defensores da preservação da floresta. Não se trata apenas de proteger a enorme biodiversidade, o clima global ou as populações locais. As pesquisas sugerem que o desmatamento e as mudanças no clima geram um risco para uma das práticas mais lucrativas da agricultura da região: os sistemas de safra-safrinha - ou dupla safra - tão importantes para os ótimos desempenhos das commodities agrícolas no PIB brasileiro.

Os trabalhos foram publicados nas revistas International Journal of Climatology Frontiers in Ecology and Environment, em parceria com pesquisadores internacionais, e têm como um dos autores o professor Marcos Heil Costa, do Departamento de Engenharia Agrícola da UFV. Ele explica que no sul da Amazônia e no Cerrado as chuvas são sazonais, concentradas em uma estação que chega a durar mais de sete meses por ano. Esse período é tão longo que permite que os fazendeiros plantem duas safras no mesmo ano, na mesma área. Esta dupla safra é fundamental para o sucesso do agronegócio. “O mais comum é plantar a soja e, logo após a colheita, semear o chamado milho safrinha. Essa prática já é tão comum que mais da metade do milho brasileiro é produzida assim, depois da colheita na soja, no mesmo ano”, explica Marcos Costa.

O problema é que, em muitas regiões, a estação chuvosa está encurtando. Há tempos os pesquisadores já observam essa tendência. Agora, os fazendeiros também estão percebendo que as chuvas demoram a começar, obrigando-os a plantar fora da “janela ideal” e colocando em risco a segunda safra. "Neste ano de 2019, por exemplo, as chuvas estão começando muito tarde e nossas pesquisas mostram que isso poderá ser cada vez mais comum”, afirma Marcos Heil.

Um dos trabalhos mostra que esse encurtamento da estação chuvosa está associado não só às mudanças no clima global, mas também ao desmatamento da região. A pesquisa analisa dados de chuva obtidos por satélite no sul da Amazônia, área que abrange Rondônia, o sul do estado do Amazonas e boa parte de Mato Grosso. Segundo o pesquisador Argemiro Teixeira Leite Filho, o trabalho mostra que o desmatamento atrasa o início das chuvas nesta região e o efeito é ainda mais acentuado justamente nos piores anos. Ele comenta ainda que o início da estação chuvosa naquela região é controlado tanto por fatores remotos, como as temperaturas na região central do Pacífico associadas com o El Niño e os ventos nos altos níveis da atmosfera, quanto pela evaporação da própria floresta. Mas os dados revelam que, controlando os outros fatores, a estação chuvosa dura menos em regiões em que a floresta foi substituída por agricultura ou pastagens. Assim, quando as condições globais favorecem uma estação chuvosa mais longa, ela é longa em toda a região. Entretanto, quando favorecem uma mais curta, ela é ainda menor nas áreas muito desmatadas. “Nesses anos, quando fenômenos globais como o El Niño já tendem a fazer as chuvas durarem menos, em uma região com 80% de desmatamento as chuvas podem começar um mês mais tarde do que em uma região com 20% de desmatamento. Este encurtamento da estação chuvosa nos piores anos aumenta o risco para a prática da dupla safra”, ressalta Argemiro.

Frontiers in Ecology and Environment

O outro trabalho, publicado no periódico Frontiers in Ecology and Environment, analisa especificamente os riscos que o desmatamento e as mudanças climáticas globais podem causar no leste do Mato Grosso, responsável pela produção de 7% da soja mundial. Esta é a região em que o desmatamento tem acontecido mais rapidamente nos últimos anos. A pesquisa avaliou os resultados das previsões mais otimistas para o clima das próximas décadas, considerando tanto o efeito das mudanças globais, quanto o desmatamento da região. O pesquisador Gabriel Abrahão, coautor do estudo, explica que, usando critérios agronômicos, o risco para a dupla safra, quando há uma estação chuvosa muito curta, foi analisado diretamente. “Podemos dizer que as mudanças globais reduzem a média da estação chuvosa em alguns dias, especialmente nesta região, mas o desmatamento é o principal fator que aumenta o risco de anos muito ruins. Ainda segundo Gabriel, “seguindo as tendências de desmatamento que consideramos em regiões próximas à divisa com Goiás, a estação chuvosa deve durar menos de 200 dias em mais da metade dos anos na próxima década. As regiões em que a duração média das chuvas é menor do que 200 dias geralmente nem plantam a safrinha”.

Os pesquisadores alertam que, para o agronegócio, o fim da safrinha em uma região significa uma queda drástica na produção agrícola, aumento dos preços dos produtos e um incentivo a mais para converter a vegetação nativa em produção agrícola. Como o custo de opções de adaptação à falta de chuvas, como a irrigação, por exemplo, é muitas vezes maior do que comprar mais terras para a produção, a pressão para expandir a área agrícola deve se intensificar nos próximos anos. Abrahão lembra ainda que quanto mais desmatamento houver, menores serão os períodos das estações chuvosas. “É uma espiral autodestrutiva que prejudica o clima, a vegetação e a própria agricultura, não só no sul da Amazônia, mas também em outras regiões que dependem das florestas para gerar precipitação, como é o caso de boa parte do Cerrado, uma região importantíssima para o agronegócio brasileiro”.

Para os autores, a conservação da vegetação nativa na região depende do apoio do agronegócio e dos governos locais. “Enquanto a terra for barata e a demanda para aumentar a produção for crescente, vai ser muito difícil conter o desmatamento. É crucial que todos entendam o valor do serviço de regulação do clima que a vegetação nativa intacta provê na região amazônica. “Se as pessoas não forem convencidas com razões suficientes para conservar os ecossistemas onde vivem e dos quais dependem, a destruição e degradação provavelmente não vão parar”, conclui o professor Marcos Heil Costa.

Fonte: Léa Medeiros- Jornalista

Divulgação Institucional UFV