Quem mora em Viçosa há mais tempo já deve ter percebido, na pele, que o clima por aqui não é mais o mesmo. Já não usamos mais tantas roupas de frio. Também não se fazem mais verões como antigamente. E as chuvas, a cada ano, são mais imprevisíveis. A sensação térmica de moradores mais antigos agora tem uma explicação científica que pode ajudar a entender como estas mudanças climáticas no município aconteceram e como nortear políticas públicas de defesa civil.
O trabalho foi realizado por um grupo de pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Meteorologia Aplicada da UFV, em parceria com pesquisadores das Universidades Federais Fluminense e de Pelotas (UFF e UFPel). As conclusões estão no artigo “Climatological aspects and changes in temperature and precipitation extremes in Viçosa-Minas Gerais” publicado este mês no Anais da Academia Brasileira de Ciências (AABC).
Os pesquisadores usaram dados da Estação Meteorológica de Viçosa (INMET), coletados, diariamente, entre 1968 e 2017. Ou seja, nos últimos 50 anos. Eles investigaram se a urbanização do município, concentrada, sobretudo, na década de 1990, alterou o clima na região. Concluíram que sim, mas também encontraram evidências de que as mudanças no clima global foram claramente percebidas por aqui. “Este estudo é inédito porque, pela primeira vez, focamos em eventos extremos ocorridos na área urbana do município”, explicou Álvaro Ávila-Diaz, pós doutorando e primeiro autor do trabalho publicado.
Álvaro explica que, durante décadas, a média de temperatura mínima em Viçosa, no inverno, foi de 6ºC. A partir de 2000, houve uma quebra nesta média que passou a computar 1,5ºC a mais nas temperaturas mínimas. As chuvas desta estação também diminuíram nesta mesma época e o inverno nunca mais foi o mesmo!
No verão, as temperaturas aumentaram cerca de 0,9ºC, mas as chuvas ficaram muito mais concentradas. “O volume de precipitação variou pouco, mas as chuvas são muito intensas em poucos dias, ou seja, ocorrem tempestades que geram muitos danos ao município e à população, tais como alagamentos e deslizamentos de encostas”, afirmou Álvaro.
Flávio Justino, professor do Departamento de Engenharia Agrícola da UFV e segundo autor do artigo, também comenta que dados sobre o aquecimento global indicam que o aumento médio de temperatura desde 1880 foi de aproximadamente 0.9ºC, menos da metade do que foi percebido em Viçosa. “Embora a emissão de gases causadores do efeito estufa não sejam significativos na região, os efeitos são claramente percebidos em todos os lugares”, afirmou ele.
Se os extremos de temperatura aumentaram no inverno e diminuíram no verão, então a diferença entre as temperaturas máxima e mínima durante todo o ano ficou menor, outro dado bastante percebido pelos viçosenses e corroborado pelo estudo. Mas o que isso significa? Para os autores, significa que estamos mais vulneráveis aos extremos de temperatura e precipitação e isso requer mudanças na gestão da oferta de água e uso do solo urbano, por exemplo. “Dias muito quentes e chuvas mais esparsas provocam o aumento da evaporação da água dos mananciais. Com isso, poderemos ter falta de água por algum tempo e tempestades capazes de provocar enchentes e alagamentos em outros”, explicou o professor Flávio.
Considerando possíveis problemas de abastecimento de água em Viçosa, os autores acreditam que os dados podem contribuir para o planejamento urbano. “O poder público pode, por exemplo, avaliar a possibilidade de melhora na gestão dos recursos ambientais e ordenamento territorial das bacias hidrográficas dos Rios Turvo Sujo e Turvo Limpo, que fornecem água para o município de Viçosa”, disse Flávio Justino. Por sua vez, Álvaro chama a atenção para a necessidade de considerar os perigos das tempestades de verão e evitar tragédias urbanas.
Divulgação Institucional Foto: Reinaldo Pacheco