Empresários e políticos mineiros são vacinados às escondidas contra a Covid-19
25 de março de 2021

Empresários e políticos – grande parte deles ligada ao setor de transportes em Minas Gerais – teriam recebido na terça-feira (23), em Belo Horizonte, a primeira dose da vacina da Pfizer contra a Covid-19. Segundo reportagem da revista “Piauí”, os familiares deles também foram imunizados na última quarta (24).

O grupo teria comprado o imunizante por conta própria, sem repassá-lo ao Sistema Único de Saúde (SUS). Ainda de acordo com a publicação, a aplicação da segunda dose nas cerca de 50 pessoas envolvidas no esquema está prevista para acontecer em 30 dias. O custo da operação teria sido de R$ 600 por indivíduo.

Os organizadores da compra teriam sido os irmãos Rômulo e Robson Lessa, donos da viação Saritur. Uma garagem de uma empresa teria, inclusive, sido transformada em “posto de vacinação” irregular. À reportagem, a empresa afirmou desconhecer a informação e destacou que os empresários não fazem parte do corpo societário do grupo.

Outro agraciado pela vacinação, conforme a denúncia, teria sido o ex-senador e ex-vice-governador de Minas Clésio Andrade, que também foi presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT).  À “Piauí”, ele disse que foi convidado para se vacinar e não pagou pela dose.  No entanto, procurado pela reportagem de O TEMPO, o ex-parlamentar negou a informação. “Desconheço. Estou em quarentena aqui, no Sul de Minas”, informou. Questionado sobre sua declaração à revista, Andrade ignorou as mensagens e as ligações da reportagem.

O deputado estadual Alencar da Silveira (PDT) também teria sido imunizado, segundo a revista. Procurado, o parlamentar se mostrou surpreso com a notícia. “Não tenho nada a declarar, acabei de saber disso, estava em reunião. Eu tive coronavírus, eu tenho imunidade”, afirmou o deputado, que destacou que vai apurar a informação.

Ainda de acordo com relatos obtidos pela “Piauí”, o grupo envolvido no esquema foi vacinado por uma enfermeira que acabou se atrasando porque estava imunizando outro grupo na Belgo Mineira, mineradora hoje pertencente à ArcelorMittal Aços.

Por meio de nota, a ArcelorMittal informou que nunca comprou nenhuma vacina da Pfizer contra a Covid-19 ou de qualquer outra empresa farmacêutica e negou ainda que tenha feito contato com qualquer indústria para a compra direta de imunizantes.

“A Abertta Saúde, empresa de gestão de saúde da ArcelorMittal, atua como posto avançado de vacinação do SUS junto às secretarias municipais de Saúde de Belo Horizonte e de Contagem. No entanto, a ArcelorMittal desconhece qualquer atuação de seus profissionais em atos correlacionados à vacinação fora dos protocolos do Ministério da Saúde e do Programa Nacional de Imunizações – PNI”, diz o comunicado.

Investigação

Presidente da CPI dos Fura-Filas, instalada na Assembleia para apurar a suspeita de irregularidades na vacinação de servidores da Secretaria de Estado de Saúde que não fazem parte do grupo prioritário, o deputado estadual João Vítor Xavier (Cidadania) disse que soube pela imprensa da denúncia dos políticos e empresários imunizados. “Mas não sabemos ainda se de fato aconteceu, se é ilegal ou não. Até o momento, não tenho como opinar”, declarou.

O parlamentar disse que não sabe se o fato pode ser investigado pela Casa. “Temos que ter mais informações, trata-se inicialmente de uma questão privada que acabou de acontecer. Não tenho ciência se é algo que abrange a Assembleia ou não”, enfatizou.

Procurado na noite de ontem, o Ministério Público Federal (MPF) não foi localizado para comentar se vai investigar o caso.

Legislação 

No início do mês, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sancionou uma lei que autoriza a compra de vacinas pela iniciativa privada. Porém, até as doses devem ser doadas integralmente ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) enquanto todo o grupo prioritário não for vacinado – dos mais de 77 milhões de pessoas, só 15% receberam a primeira dose da vacina contra a Covid-19.

Quando esse número for alcançado, a legislação prevê que 50% das vacinas compradas sejam entregues ao SUS, e o restante deve ser distribuído de forma gratuita. E os locais em que os imunizantes serão aplicados devem ainda ser autorizados pela Vigilância Sanitária local, diferentemente do que teria ocorrido com o grupo de empresários e políticos.

O professor de direito administrativo Carlos Barbosa explicou que essa lei aprovada no Congresso é falha, já que não prevê nenhum tipo de punição a quem descumprir a norma. “Apesar de abrir espaço para a aquisição, ela cria mecanismos que a tornam completamente ineficaz, já que não estabelece sanção para aqueles que descumprirem os requisitos. É uma norma puramente simbólica e ineficaz, que estabelece a norma, mas não traz punição”, explicou.

Porém, o especialista alegou que a denúncia traz rupturas do ponto de vista ético e moral. “Obviamente, essas empresas não olharam para a sua função social, e nesse contexto a gente pode fazer, sim, uma crítica a esse grupo de empresários que teriam passado à frente de outros grupos prioritários”, finalizou.

A matéria é de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), cuja família é do ramo dos transportes em Minas Gerais. A assessoria do parlamentar informou que o senador “desconhece completamente o assunto” e que “o fato de a família dele ter empresa no ramo não faz com que ele (Rodrigo) tenha algo a ver com uns políticos que furaram a fila da vacina”.

Outro lado 

Já o governo federal informou que as doses contratadas da Pfizer/BioNTech ainda não chegaram ao país. A previsão do laboratório, segundo o Ministério da Saúde, é entregar a primeira remessa a partir de abril ao Programa Nacional de Imunizações (PNI).

Por meio de nota, a pasta reforçou que a legislação sancionada no último dia 10 autoriza setor privado a comprar vacinas, desde que elas tenham registro ou autorização para uso emergencial no Brasil. No entanto, as doses devem ser encaminhadas ao PNI para serem distribuídas para todos os Estados e para o Distrito Federal, de forma proporcional e igualitária, pelo governo federal.

“No caso do setor privado, de acordo com a legislação, as doses deverão ser integralmente doadas ao SUS enquanto estiver ocorrendo a vacinação dos grupos prioritários definidos pelo Ministério da Saúde. Após essa etapa, metade das doses adquiridas deve ser entregue ao SUS, e a outra metade, aplicada gratuitamente”, informou.

Questionado se o governo federal vai apurar o caso ou quais punições os empresários envolvidos no esquema podem receber, a pasta não se manifestou.

Já a Pfizer negou qualquer venda ou distribuição da vacina fora do âmbito do Programa Nacional de Imunizações. Segundo a empresa, o imunizante ainda não está disponível em território nacional. A Pfizer e a BioNTech fecharam um acordo com o Ministério da Saúde contemplando o fornecimento de 100 milhões de doses da vacina contra a Covid-19 ao longo deste ano.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) foi procurada, mas não tinha se manifestado até o fechamento desta reportagem.

Fonte: O Tempo

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