Conforme o Brasil vai se aproximando da meta de vacinar todos os adultos com ao menos uma dose de imunizante contra a Covid até setembro, cresce o debate em torno de uma possível aplicação de reforço em grupos mais vulneráveis, especialmente idosos e pessoas com sistema imunológico mais frágil. Pela primeira vez, o Ministério da Saúde sinalizou de maneira mais contundente que poderá adotar a dose de reforço.
Ontem, ao participar da reunião da Comissão Temporária da Covid-19 do Senado, a secretária de enfrentamento à Covid-19 do Ministério da Saúde, Rosana Melo, afirmou que parte da população do país poderá receber o reforço. “Temos alguns estudos preliminares, porém esses estudos não foram publicados. São discussões internas, nem podemos publicizar tanto, em respeito aos pesquisadores, porém já estamos tomando decisões em nível de gestão”, disse.
Segundo ela, o Brasil está atento à decisão dos Estados Unidos sobre o assunto, que acenou para a possibilidade de preconizar as pessoas com imunidade mais frágil. Por lá, o anúncio da aplicação do reforço pode acontecer em até duas semanas, de acordo com o diretor do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, Francis Collins, em entrevista à Fox News. Os norte-americanos têm cerca de 100 milhões de doses em estoque e uma campanha de vacinação que tem dificuldade de avançar, atingindo somente 60% da população.
Dependendo do número de pessoas que poderão receber a terceira dose, o país não precisará comprar mais vacinas. A previsão do Ministério da Saúde publicada no dia 11 de agosto indica que o país receberá 226 milhões de doses no último trimestre, sendo que, a princípio, apenas 100 milhões de unidades da Pfizer poderão ser usadas em adolescentes – conforme permissão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Por email, o Ministério da Saúde informou que acompanha estudos sobre a efetividade das vacinas Covid-19. “O tema é analisado pela Câmara Técnica Assessora em Imunização e Doenças Transmissíveis. Cabe destacar que a Pasta analisa as propostas dos laboratórios”, diz.
A terceira dose já é realidade em países mais avançados na vacinação, como Chile, Uruguai e Alemanha, e em outros com índice baixo de imunização, como a Rússia. No Brasil, há estudos em andamento para avaliar se existe essa necessidade. O Ministério da Saúde está à frente de uma pesquisa que avalia uma dose de reforço para quem tomou Coronavac. Os 1.200 voluntários foram divididos em quatro grupos e cada um vai receber uma aplicação de um imunizante utilizado no país – a própria Coronavac, AstraZeneca, Pfizer e Janssen. A intenção é verificar qual deles vai oferecer a melhor eficácia.
Um pequeno estudo também será realizado na ilha de Paquetá, no Rio de Janeiro, que está funcionando como laboratório de eficácia pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Toda a população a partir de 12 anos, com cerca de 4,7 mil pessoas, foi vacinada. Inicialmente, os idosos devem receber a terceira dose.
Mas esse caminho é polêmico na comunidade científica. Muitos médicos e pesquisadores seguem o pensamento da Organização Mundial da Saúde (OMS), para quem a prioridade é vacinar o maior número de pessoas pelo mundo, em vez de preconizar o uso dos escassos imunizantes em quem já foi vacinado.
Infectologista e professor da Faculdade de Medicina da UFMG, Unaí Tupinambás lembra que existem países africanos com 2% de cobertura vacinal, que sequer conseguiram imunizar todos seus profissionais de saúde. “Só podemos falar em terceira dose depois que 100% do público-alvo estiver com esquema vacinal completo. Neste momento, não há indicação para terceira dose, muito pelos estudos de efetividade das vacinas que estamos observando”, afirma.
Um estudo da Fiocruz publicado na semana passada indicou boa eficácia de Coronavac e AstraZeneca para evitar casos graves de Covid. Mas houve percepção de menor eficiência entre os mais velhos. Por isso, os pesquisadores indicam uma eventual necessidade de terceira dose da vacina em indivíduos com 80 anos ou mais que receberam Coronavac, bem como em indivíduos com mais de 90 anos imunizados com AstraZeneca.
“É razoável atribuir a redução observada na eficácia à imunosenescência (um conjunto de alterações que ocorrem na resposta imune), que é comumente associada a uma maior frequência de comorbidades e pode implicar em taxas de mortalidade mais altas”, escrevem os pesquisadores.
Casos de pessoas que desenvolvem sintomas graves da Covid mesmo depois de vacinadas são esperados, de acordo com Unaí Tupinambás. Nenhuma vacina do mundo garante 100% de imunidade para todas as pessoas que receberam a vacina.
O infectologista lembra que algumas pessoas vacinadas chegaram a pegar febre amarela durante o último surto, em 2017, mesmo que o imunizante possua uma taxa de eficácia altíssima (acima de 95%). O que protege quem se vacinou, mas não adquiriu anticorpos da maneira esperada, é a abrangência da vacinação. Quanto mais pessoas receberem doses, mais difícil fica para o vírus circular.
“Temos visto casos de falha da Pfizer nos Estados Unidos, mas essas falhas são esperadas, uma vez que nenhuma vacina é 100% eficaz. Nós vimos isso com a febre amarela, vemos isso com a gripe. Podemos até avaliar uma terceira dose para alguns grupos, como idosos, pois é sabido que os imunizantes têm efetividade menor nos idosos, mas não sabemos se essa terceira dose pode resolver essa baixa efetividade”, explica Tupinambás.
Fonte: O Tempo