Não faltam informações sobre os dois aspectos que garantem uma boa saúde para as crianças e suas famílias: alimentação saudável e atividades físicas regulares. Mas muito pouco se fala sobre as condições que uma cidade oferece para que sua população tenha acesso à comida de qualidade e a espaços públicos para prática de esporte e lazer. Neste quesito, o município de Viçosa não vai bem.
Um estudo conduzido por pesquisadoras do Departamento de Nutrição e Saúde da UFV mostrou que fatores, como a falta de calçadas, praças, quadras, ruas bem iluminadas e de locais que vendam alimentos saudáveis, agravam as condições que levam as crianças ao excesso de peso e às suas consequências negativas à saúde. Uma em cada três crianças do município está com excesso de peso e quanto maior é a vulnerabilidade social, como em algumas periferias, pior tendem a ser as condições urbanas que favorecem o sedentarismo e as escolhas alimentares não saudáveis.
O trabalho vem sendo conduzido, desde 2015, pelo grupo Pesquisa de Avaliação da Saúde do Escolar (Pase) e coordenado pela professora Juliana Farias de Novaes. Já os dados sobre planejamento urbano foram coletados pelo grupo coordenado pela atual professora da UFMG Milene Cristine Pessoa, ex-aluna de pós-graduação da UFV. Os resultados das pesquisas deram origem a uma dissertação de mestrado, duas teses de doutorado e a publicação de seis artigos científicos, que foram apresentados na audiência pública Lazer e Saúde em Viçosa, na Câmara Municipal da cidade, em julho deste ano.
Juliana Novaes explica que uma pessoa que mora em local onde existe um espaço convidativo para a prática da atividade física tem muito mais chance de ser mais ativa do que quem mora em um lugar escuro, inseguro, distante ou inacessível. “Associar-se a um clube ou pagar uma academia não são opções acessíveis às populações mais vulneráveis. Essas pessoas tendem a morar em bairros da periferia, onde as opções de lazer são escassas ou inexistentes, dificultando o acesso a práticas saudáveis de vida”.
A pesquisadora lembra que quem anda a pé em Viçosa quase sempre precisa caminhar pelas ruas de forma desconfortável e insegura, pois as calçadas tendem a ser muito ruins. Além disso, o trânsito caótico com carros, motos e bicicletas desanima quem poderia se deslocar a pé pelo centro, por exemplo. Pior ainda quando acompanhado por crianças.
Também já se sabe que bairros onde há um grande número de estabelecimentos comerciais que vendem alimentos industrializados favorecem o consumo não saudável das pessoas. A literatura científica classifica esse cenário, de falta de espaços públicos de lazer na cidade e com menos opções de venda de alimentos mais naturais e saudáveis, como “ambiente obesogênico”, ou seja, aquele que favorece o aumento da obesidade.
A pesquisa, transversal, avaliou 378 crianças de 8 e 9 anos de idade, matriculadas em 24 escolas urbanas, públicas e particulares de Viçosa. O objetivo foi verificar se há associação dos fatores ambientais no entorno das escolas e dos domicílios nos casos de obesidade, perfil lipídico alterado e marcadores inflamatórios na infância. “O excesso de peso nas crianças está em torno de 33% e inclui obesidade e sobrepeso.Hoje, tem sido cada vez mais comum encontrar uma criança com excesso de peso se comparado a alguns anos atrás, quando o sobrepeso era menos prevalente”, afirma Juliana.
As pesquisadoras avaliaram a presença de lojas de alimentos predominantemente ultraprocessados e a disponibilidade de espaços públicos para atividades físicas e áreas arborizadas ou que facilitem deslocamento ativo por meio de caminhadas no entorno das escolas e domicílios. A conclusão é de que o planejamento urbano de Viçosa não contribui para uma mudança de comportamento em busca de uma vida mais saudável. E não se trata apenas de obesidade.
Os resultados mostraram que crianças que frequentavam escolas cujo entorno foi classificado como obesogênico apresentaram maior gordura corporal e marcadores inflamatórios, além do pior perfil lipídico (colesterol e frações). O mesmo foi observado em crianças cujo entorno dos domicílios também foi considerado obesogênico e ainda apresentavam maior índice de criminalidade.
Por outro lado, as crianças apresentaram 63% e 70% menos chances de obesidade quando moravam em locais com mais opções de comércio que vendiam alimentos saudáveis a 200 metros de casa ou da escola. De acordo com as pesquisadoras, o ambiente obesogênico favorece o maior consumo de alimentos industrializados que, por sua vez, pode estar relacionado ao maior percentual de gordura corporal, mesmo em crianças com peso normal.
A pesquisa concluiu que o planejamento urbano de Viçosa não vem contribuindo para um estilo de vida mais saudável, o que influencia as maiores prevalências de sobrepeso, obesidade e comorbidades associadas na infância. "O cuidado com a saúde das crianças precisa levar em conta o acesso a alimentos saudáveis, mas também os ambientes com ruas, praças e parques que convidem a prática de esportes e lazer, assim como locais seguros, iluminados e com transportes públicos de qualidade", reafirmou a pesquisadora.
Ainda para Juliana, as áreas de maior vulnerabilidade social precisam ser priorizadas por projetos de planejamento urbano que estimulem um estilo de vida mais ativo. "Uma cidade saudável é aquela que está comprometida com a promoção da saúde, do bem-estar e da equidade social. Espaços convidativos para socialização, como quadras poliesportivas, ciclovias e parques, também favorecem a saúde mental e poupam as crianças de excessos de telas, tão comuns atualmente”.
Os trabalhos desenvolvidos no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Nutrição geraram também o Almanaque do Grupo Pase, aprovado para publicação pela Editora da UFV. O material é composto por três histórias em quadrinhos, com personagens que contribuirão para divulgação dos achados científicos e será destinado às famílias e aos profissionais das escolas e dos serviços de saúde em todos os bairros de Viçosa, visando à prevenção da obesidade e de doenças associadas, desde a infância.
A pesquisa citada nesta matéria está alinhada aos itens 3 (Saúde e Bem-Estar); 11 (Cidades e Comunidades Sustentáveis) e 12 (Consumo e Produção Responsáveis) dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Informação Institucional UFV