Evento reuniu autoridades e representantes da sociedade civil
A Câmara Municipal de Viçosa sediou, na noite desta terça-feira (27), uma audiência pública que reuniu autoridades, conselheiros, profissionais da rede de proteção e representantes da sociedade civil para discutir a aplicação da Lei nº 13.431/2017 — conhecida como Lei da Escuta Protegida — e fortalecer os direitos de crianças e adolescentes no município. O encontro foi realizado a partir do Requerimento nº 32/2025, de autoria do vereador Sérgio Marota (PP), como parte da programação do Maio Laranja, mês dedicado ao enfrentamento da violência sexual infantojuvenil.
O vereador Sérgio Marota abriu os trabalhos destacando a relevância do tema e a necessidade de transformar a escuta qualificada em política pública efetiva. Ele relembrou a mobilização popular promovida pela Caminhada “Faça Bonito”, realizada em 17 de maio na Praça Silvio Brandão, que reuniu mais de 100 pessoas em defesa dos direitos das crianças e adolescentes. “Precisamos sair deste espaço com ações concretas. Que essa audiência represente um marco no avanço da proteção à infância em Viçosa”, afirmou.
Um dos destaques da noite foi a fala da presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), Marize Marota de Souza. Ela ressaltou o caráter histórico da audiência e os avanços recentes na estruturação da rede de proteção em Viçosa. “Talvez estejamos vivendo um momento histórico. Este é um espaço de honra e continuidade do trabalho de pessoas que dedicaram suas vidas à causa da infância, como o professor Tancredo e Teresa Quintão”, declarou.
Marize explicou que, desde 2022, a rede enfrentava dificuldades para organizar os fluxos de atendimento às vítimas de violência. A criação do Comitê de Gestão Colegiada, vinculado ao CMDCA, foi apontada como essencial para dar mais firmeza às ações locais. “O comitê não é apenas um grupo técnico. Ele tem poder de decisão. Isso nos dá mais condições de avançar em políticas públicas efetivas”, afirmou.
A presidente detalhou ainda a estrutura do comitê, que atua em articulação com outras comissões permanentes do Conselho, como as de apoio ao Conselho Tutelar, de avaliação de projetos e a do Sistema de Garantia de Direitos (SGD). Ela destacou também a criação de grupos temáticos de trabalho em rede, voltados à discussão de casos e à formulação de estratégias integradas de atendimento.
Durante a audiência, foram reforçados os principais pontos da Lei nº 13.431/2017, que estabelece diretrizes para o sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência. A legislação determina que os procedimentos de escuta devem ser realizados de forma protegida, por meio de depoimento especial e acolhimento especializado, a fim de evitar a revitimização nos processos judiciais e administrativos.
O cabo da Polícia Militar e coordenador do Comitê de Enfrentamento à Violência contra Crianças e Adolescentes, Wellington Macedo Costa, fez uma apresentação técnica sobre a aplicação da Lei. Ele enfatizou a importância da efetivação da legislação, especialmente em casos de violência sexual. Um dos pontos centrais de sua fala foi o conceito de revitimização, entendido como o sofrimento adicional causado à vítima ao ter que repetir sua história diversas vezes para diferentes profissionais. “Imagine uma criança vítima de violência sexual tendo que relatar sua história para várias pessoas desconhecidas. Isso, por si só, já é mais um sofrimento”, explicou.
Wellington também abordou os instrumentos previstos na lei, como a escuta especializada — conduzida por profissionais da rede de proteção com abordagem cuidadosa e objetivo específico — e o depoimento especial, que ocorre em ambiente judicial, com técnicas específicas para preservar a integridade da vítima.
A representante da Secretaria Municipal de Assistência Social, Nádia Matos Andrade, reafirmou o compromisso da pasta com a implementação do protocolo de escuta especializada. Ela destacou que as equipes do CRAS, CREAS e demais serviços da assistência social estão empenhadas na garantia dos direitos da infância e na capacitação contínua dos profissionais.
Representando a Secretaria de Cultura, Geraldo Luiz Andrade afirmou que a cultura tem papel fundamental na prevenção, oferecendo espaços e atividades que contribuem para a formação de mentes saudáveis. Ele usou a metáfora do “monstro invisível” para se referir ao agressor muitas vezes próximo das vítimas e que só é identificado após causar danos. Geraldo anunciou que a Secretaria está desenvolvendo um projeto de descentralização do Centro Experimental de Artes, que possui vagas ociosas e pode contribuir com ações preventivas.
A conselheira tutelar Milena Nascimento alertou para o aumento nas notificações de violações de direitos de crianças e adolescentes e cobrou melhorias na estrutura do Conselho Tutelar. Segundo ela, o principal desafio é a falta de recursos para atender à crescente demanda. Milena destacou a ausência do sistema SIPIA — ferramenta essencial para registro e sistematização dos casos de violência. “Sem o SIPIA, não temos dados, e sem dados, não há política pública”, alertou.
Entre janeiro e março de 2025, o Conselho recebeu 199 ofícios — uma média de 3,26 por dia. Entre abril e maio, foram 165 ofícios, elevando a média diária para 4,3. “A demanda está aumentando”, pontuou Milena. Do total, 170 documentos vieram do Judiciário apenas nos cinco primeiros meses do ano. Em comparação, foram 281 ofícios do Judiciário durante todo o ano de 2024. Nos últimos dois meses, o Conselho também realizou 114 atendimentos presenciais espontâneos da população. Milena relatou ainda a carência de conselheiros, equipamentos como computadores e impressoras, além de dificuldades com a linha telefônica.
A representante do CREAS, Sabrina de Assis Severino Almeida, explicou as diferenças entre CRAS e CREAS: o primeiro atua na prevenção e no fortalecimento de vínculos, enquanto o segundo atende casos em que já houve violação de direitos, como violência, negligência ou abandono. Segundo ela, a Lei da Escuta Protegida fortalece a atuação do CREAS ao permitir uma escuta segura e humanizada, evitando a revitimização.
Eunice Alves Nogueira, também do CMDCA, criticou a cultura local de desvalorização dos conselhos e lamentou o avanço lento na área, mesmo após décadas de atuação em Viçosa. Ela também destacou que muitos participam das ações do 18 de Maio apenas por obrigação, e defendeu que o debate sobre os direitos das crianças alcance todas as escolas, inclusive as particulares.
A presidente do COMAD (Conselho Municipal de Políticas sobre Drogas), Patrícia de Fátima Pinto, enfatizou a importância da articulação entre os conselhos municipais. Ela criticou a atuação isolada e destacou a necessidade de união, afirmando que as diferenças entre os conselhos devem ser vistas como potencialidades para transformar realidades.
Sandra Maria de Almeida Lana, assistente social do Poder Judiciário e representante da Vara Criminal da Infância e Juventude, apresentou dados alarmantes do Ipea: a cada hora, 13 crianças e adolescentes são vítimas de violência, muitas vezes dentro de casa e por pessoas próximas. Sandra ressaltou a importância da escuta qualificada e do depoimento especial, que devem ocorrer em ambiente acolhedor, com linguagem adequada e atenção à integridade emocional da vítima. Ela explicou que, no Judiciário, realiza o depoimento especial — que difere da escuta especializada por ter valor jurídico no processo de responsabilização do agressor.
Ao final da audiência, Marize apresentou os encaminhamentos para o avanço das políticas de proteção à infância e adolescência em Viçosa. Ela informou que o protocolo e o fluxo de atendimento às vítimas estão em construção coletiva e reforçou que cada setor deve assumir protagonismo, ampliando o comprometimento para além do comitê, que terá papel articulador e mobilizador.
Marize pediu agilidade na conclusão do protocolo, com previsão de finalização em até 30 dias, para que a etapa de capacitação dos profissionais seja iniciada com prioridade. Em relação ao Conselho Tutelar, afirmou que o CMDCA está empenhado em apoiar melhorias, como a nomeação de suplentes, e solicitou maior colaboração dos setores para fortalecer o órgão, considerado peça fundamental na rede de proteção.
O CMDCA também planeja implementar, ainda neste ano, o Centro Integrado de Proteção, com foco em capacitação e melhorias estruturais. Marize concluiu agradecendo a participação dos presentes e reforçando a importância do compromisso coletivo na proteção de crianças e adolescentes.
Para o vereador Sérgio, a audiência representou um momento importante de articulação institucional e simbolizou o compromisso das diversas esferas públicas com a proteção integral da infância e adolescência.
Além dos nomes já citados, a mesa diretora da audiência também contou com Viviane de Souza Moura, coordenadora da Atenção Básica e representante da Secretaria de Saúde. Estiveram presentes ainda representantes da Secretaria Municipal de Educação, de escolas estaduais, da Pastoral do Menor e de outras entidades da rede de proteção. A vereadora Jamile Gomes justificou sua ausência por compromissos previamente agendados.
Informações: Câmara Municipal de Viçosa