Caso aconteceu no Hospital São João Batista; a denunciante registrou Boletim de Ocorrência contra o médico da instituição.
Uma mulher trans, de 21 anos, revelou ter sido vítima de transfobia por parte de um médico, de 29 anos, no Hospital São João Batista (HSJB), em Viçosa, na manhã desta quarta-feira (9). A vítima, que terá seu nome resguardado nesta matéria, afirmou que o profissional proferiu palavras discriminatórias e ainda tentou impedi-la de utilizar o banheiro feminino da entidade.
De acordo com o relato, o ocorrido começou no consultório da instituição, quando o profissional leu o nome da paciente na ficha médica e a questionou se este se configurava como seu nome de batismo. Momentos depois, ao se dirigir ao toalete, a mulher se deparou com o médico na entrada e, segundo ela, ele "fechou a porta do banheiro feminino e abriu a porta do banheiro masculino", orientando qual deles ela deveria utilizar.
O médico teria impedido que ela utilizasse o banheiro feminino, alegando que "o diretor do hospital não permitia", acrescentando que já havia sido demitido de uma outra instituição por permitir que fatos como esse acontecessem.
A vítima contou que a todo momento o médico se referia a ela como "pessoa diferente" e/ou emitia frases como "pessoas como você". O médico teria alegado, ainda, que a mulher só utilizaria o banheiro feminino caso assinasse um termo. A vítima disse que assinaria, mas com a condição de fotografar, porém o médico não deixou.
"[...]disse que para eu poder usar o banheiro feminino eu deveria assinar um termo, eu disse que assinaria, porém ia tirar uma foto do mesmo, ele disse que eu não poderia tirar foto do termo e eu neguei assinar sem fazer uma foto", relata a vítima.
Mesmo diante da insistente recusa do médico a mulher conseguiu utilizar o banheiro feminino, mas, ao sair, o profissional de saúde a esperava na porta e continuou dizendo que era uma norma do hospital e que, portanto, teria um "banheiro próprio para quem se identifica de forma diferente". Após isso, o médico ainda a teria questionado se desejava ir embora, mesmo antes do procedimento da medicação ter acabado.
A vítima fez reclamações na ouvidoria do Hospital São João Batista e registou um Boletim de Ocorrência na Delegacia de Polícia Civil de Viçosa. Ela ainda deseja a prisão em flagrante do médico por ter cometido o crime de transfobia.
"Agora só ficou a indignação, um sentimento de tristeza e vulnerabilidade muito grande. Estão tentando tirar um direito básico de uma pessoa. [...] Se eu, conhecedora da lei e dos meus direitos, passei por isso, quantas outras sem instrução não passam, diariamente, na mão de pessoas como ele?" - lamentou a vítima.
Procurada pelo Primeiro a Saber, a entidade informou que a administração não corrobora com a postura do médico e que irá instalar procedimento administrativo contra ele. Afirmou ainda que está "fazendo os protocolos para que não ocorra isso de novo".
Uma pessoa trans é aquela que não se identifica com o gênero ao qual foi designado em seu nascimento. A transfobia pode ser definida como uma série de atitudes, sentimentos ou ações preconceituosas ou discriminatórias contra esse grupo.
Reflexos desse preconceito são as estatísticas que revelam dados alarmantes. Há 14 anos, o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo, de acordo com o relatório divulgado em janeiro pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Só em 2022, 131 pessoas trans e travestis foram assassinadas no país e outras 20 tiraram a própria vida em virtude de discriminação e do preconceito.
Desde junho de 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) igualou ações de preconceito ou discriminação contra homossexuais e transexuais ao crime de racismo (Lei n 7.716/1989), sendo imprescritível e inafiançável. Além disso, prevê pena de um a três anos de reclusão e multa para quem incorrer nessa conduta. Esta decisão do STF vale até o Congresso Nacional aprovar uma lei específica sobre LGBTQIAPN+ fobia.
Em 2015 o STF começou a analisar um processo sobre a regulamentação do uso de banheiros masculinos e femininos por pessoas trans, correspondente ao gênero ao qual se identifica. O processo em questão também pode dar ao grupo o direito a indenização por danos morais, caso tenham o acesso ao banheiro proibido ou sejam hostilizadas.
O caso está parado desde aquele ano, após um pedido de vista - mais tempo de análise - feito pelo ministro Luiz Fux, mas pode ser retomado em breve. Em julho deste ano foi aprovada uma emenda que estabelece que os pedidos de vista têm 90 dias úteis para voltar à pauta. Após esse período, o processo ficará automaticamente livre para voltar a ser julgado.
[Matéria atualizada em 10/8/23, às 09h48]