A pandemia de Covid-19 alterou o cenário dos concursos públicos no país. Seleções que estavam em andamento ou com datas de prova agendadas tiveram os cronogramas adiados para o segundo semestre. Já os que estavam previstos não tiveram seus editais publicados.
Há ainda várias prefeituras cancelando concursos com editais publicados. Além disso, muitos processos seletivos abertos – a maioria nas prefeituras – têm se restringido a contratações emergenciais e temporárias em decorrência da Covid-19. E os poucos concursos federais se limitam a cargos nas áreas de segurança e saúde.
Mas como ficará esse cenário após a pandemia? O G1 conversou com especialistas para explicar a situação atual e apontar qual deverá ser o futuro dos concursos no país.
Segundo o professor de cursos preparatórios e de pós-graduação em Gestão Pública EAD da Fecap, Marcos Takao Ozaki, a tendência é a diminuição da abertura de novos concursos. Para ele, influenciam nesse cenário, além da pandemia, a dificuldade de estados e municípios honrarem a folha de pagamento com a diminuição da arrecadação de impostos.
Fernando Bentes, mestre e doutor em Teoria do Estado e Direito Constitucional e professor-adjunto de Direito Constitucional da UFRRJ, lembra que, com a crise econômica, a receita pública de tributos caiu, mas o aparelhamento continua de pé e o Estado precisa arcar com as despesas. Com a crise fiscal e corte de gastos, concursos necessários para as áreas judiciária, fiscal, advocacia pública, segurança pública, educação, saúde e previdência foram prejudicados.
“Com a pandemia, esta conjuntura se agravou mais: a economia encolheu, a arrecadação de tributos despencou e o Estado, que já estava em crise fiscal, teve que gastar mais em ações de saúde pública. Ou seja, é uma conjuntura de crise generalizada que também afeta os concursos públicos”, opina.
Antônio Batist, especialista em gestão pública e empresarial, considera a pandemia como fator principal da redução dos concursos. “A maioria dos concursos suspensos nos últimos meses foi basicamente para evitar riscos de contaminação”, diz.
Para ele, em relação aos impactos da redução da arrecadação tributária, os principais termômetros para a realização de concursos serão o desempenho da economia no pós-pandemia e a capacidade de organização dos governos e gestores públicos.
Apesar dessa limitação, Batist ressalta que quem está aprovado dentro das vagas do edital poderá ser convocado para posse, e novos editais poderão ser divulgados, desde que não sejam para cargos novos.
Batist lembra que o cenário atual é uma continuidade do que já vinha acontecendo nos últimos anos, nos quais também houve poucos concursos para cargos novos no país em virtude do corte de gastos nos governos. “Quase todos os concursos foram apenas para repor vacâncias, ou seja, para reposição em casos de aposentadoria, falecimento etc.”, afirma.
Marcel Guimarães, professor do Direção Concursos e consultor legislativo do Senado Federal, concorda com Batist. Para ele, existe um cenário de instabilidade gerado pela pandemia da Covid-19, mas a tendência de redução na oferta de vagas não é algo novo, pois já vem sendo observada nos últimos anos por conta da situação fiscal ruim no país.
Para Filipe Ávila, coordenador geral do AlfaCon Concursos, a suspensão de novos concursos e criação de cargos até o fim de 2021 tem provocado dúvidas para quem almeja ingressar na carreira pública. “Com isso, estudantes temem ver o edital dos sonhos ser cancelado, suspenso, adiado ou, até mesmo, nem ser lançado”, comenta.
“Não se pode ignorar o fato de que a pandemia irá afetar negativamente a economia do país, trazendo reflexos para a realização de concursos e para a nomeação de servidores. Mas, a reposição de vagas é fundamental para o funcionamento da máquina pública”, avalia Guimarães.
O cenário, de acordo com os especialistas, deve trazer:
Segundo os especialistas, o cenário à frente deverá ser de maior procura e maior concorrência – mas não deve desanimar quem está se preparando.
Para Marcos Takao Ozaki, quando a abertura de novos concursos for retomada, a maior mudança será o número menor de vagas e de seleções. "Os reajustes de salários de servidores públicos devem ficar congelados até 2021, como contrapartida à oferta de recursos financeiros pela União no combate à Covid-19. Para diminuir ou alterar salários e benefícios, os órgãos dependem de alteração em leis, o que acho mais difícil", prevê.
Já Antônio Batist considera que, na retomada, a necessidade de pessoal em algumas áreas poderá ser ainda maior do que é hoje, como segurança e saúde. “A questão é o tipo e o ritmo dessa retomada. Uma área que vinha crescendo e será ainda mais relevante é TI/informática, com várias ramificações e interligações, como digitalização, home office, inteligência artificial, EAD, etc”, analisa.
Marcelo Guimarães acredita na retomada dos concursos após a pandemia. Segundo ele, há a necessidade de reposição de vacâncias em diversos órgãos públicos. Guimarães explica que, em tempos de cenário econômico expansionista, a prioridade é a área de planejamento. Já quando o cenário é contracionista, é importante o fortalecimento da área de controle. E ele acredita que haverá vagas em Tribunais de Contas da União, estaduais (SP e RJ) e municipais (BA, PA e GO), além das Controladorias-Gerais e secretarias estaduais de Fazenda. Outras áreas com muitas oportunidades serão saúde e segurança pública.
Para Bentes, o setor de segurança pública e as Forças Armadas devem continuar com concursos públicos normalmente, devido ao perfil político dominante nas esferas federal e estadual. “Nas outras áreas de serviços públicos, primeiro o governo federal irá mudar as bases do recrutamento, depois os recursos serão liberados gradativamente”, afirma.
Após o processo de reforma administrativa, Bentes acredita que as áreas com maior carência de recrutamento federal serão a Justiça Federal, Previdência Social, Defensoria Pública da União, Advocacia-Geral da União e Receita Federal.
Batist afirma que concursos federais têm ocorrido com foco em segurança e saúde, como o recente edital do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e de hospitais federais (Ebserh). As Forças Armadas também têm aberto seleções.
O Instituto Rio Branco também anunciou que fará concurso para 25 vagas e a banca organizadora Iades já foi escolhida para preparar o edital.
Marcel Guimarães diz que há previsão de publicação de editais de alguns concursos bastante cobiçados, que já estavam autorizados, mas cujo andamento acabou sendo prejudicado em virtude da pandemia, como é o caso do Senado Federal, Tribunal de Contas da União (TCU), Ministério Público Federal (MPU), além do Banco de Brasil.
“Também acredito que haja concurso para a Polícia Federal em breve, já que o prazo de validade do último concurso, em 2018, que possibilita a convocação de aprovados, está para acabar”, comenta.
Bentes afirma que há vários concursos federais na fila por falta de pessoal nos órgãos, como é o caso do INSS, Defensoria Pública da União, Advocacia-Geral da União e Receita Federal.
“Mas há muito bons motivos para esperança, principalmente para quem está estudando para carreiras policiais”, afirma Filipe Ávila. Para o especialista, os concursos continuarão acontecendo, uma vez que, historicamente, há menos servidores do que o previsto em lei. Além disso, reposições de vagas, permitidas pela nova lei, se tornarão mais frequentes, dado ao aumento do número de servidores que pedem exoneração ou aposentadoria.
Batist cita que órgãos como polícias, guardas municipais e corpos de bombeiros têm comissões formadas ou processos de licitação de banca em andamento. Entre os concursos autorizados estão a Polícia Civil do Rio de Janeiro, Ceará, Pará e Distrito Federal, Polícia Militar do Amazonas, Rio de Janeiro e Pará, Corpos de Bombeiros da Paraíba e Alagoas e Guarda Civil de São Luís (MA).
Marcel Guimarães ressalta que o mais comum tem sido a abertura de concursos estaduais e municipais, principalmente na área fiscal (cargos de auditor e de analista das Secretarias de Fazenda locais) e na área de controle (cargos de auditor e de analista de Tribunais de Contas e de Controladorias-Gerais). Assembleias Legislativas, Tribunais de Justiça, Defensorias Públicas e Ministérios Públicos Estaduais também têm feito concursos com alguma frequência. Dos editais abertos no momento, segundo ele, os mais cobiçados são do Tribunal de Contas do DF e do RJ.
“A área de saúde também deverá ser reforçada, ainda que por meio de contratações temporárias”, afirma.
Filipe Ávila lembra que a estrutura do funcionalismo na segurança pública dos estados tem muitos servidores com direito de se aposentar, além de um grande número de funcionários que pediu baixa e menos vagas preenchidas do que a administração pública prevê.
“Na polícia, os servidores costumam se aposentar mais cedo, há uma alta rotatividade daqueles que passam em outros concursos e saem, além de uma grande quantidade de cargos dentro da corporação que não são preenchidos. Não há nenhuma instituição policial hoje no Brasil que tenha todas as vagas preenchidas, ou seja, as vagas de vacância precisam ser repostas frequentemente”, garante.
Bentes diz que esse reforço nos quadros da segurança pública, incluindo Forças Armadas, PRF, PF, Polícia Civil e Militar, Secretarias de Administração Penitenciária, guardas municipais e bombeiros ocorre pela necessidade estatal, pela demanda da sociedade e pelo perfil político dos governantes com prioridade ao combate à criminalidade e garantia da ordem.
Ele destaca que os municípios costumam fazem concursos públicos nos dois últimos anos de mandato do prefeito. “Isso se explica tanto pela proximidade das eleições, para que o concurso se transforme em meio de conquistar votos, como para a prefeitura fazer um caixa nos primeiros anos para ter condições de gastar na parte final de uma gestão. E o momento de gastos é exatamente agora, em 2020, ano de eleições municipais”, diz.
Bentes explica que os editais revelam que há um represamento e, quando o concurso é autorizado, prevê vagas para dezenas de cargos diferentes, tudo ao mesmo tempo, no mesmo edital.
O professor de direito constitucional destaca ainda o aumento na abertura de vagas temporárias na pandemia. “Esses concursos devem servir a uma demanda transitória, como combate à dengue no verão ou realização de censo demográfico. Em certos casos, a contratação temporária preenche uma função necessária até que seja feito um concurso para preenchimento da vaga. Infelizmente, no Brasil, o temporário ocupa vaga que deveria ser de um servidor efetivo e acaba tendo seu contrato renovado ilegalmente, por questões político-eleitorais. Agora, com a pandemia, essas situações irregulares tendem a aumentar”, alerta.
Guimarães considera que a procura por um cargo público tende a aumentar nesse período de crise por conta da alta taxa de desemprego no Brasil. “As pessoas tendem a buscar a estabilidade, um dos grandes atrativos do cargo público”.
Para ele, a alta na busca de cursos preparatórios se deve ao fato de que os candidatos compreenderam que o estudo de longo prazo é o melhor caminho rumo à aprovação.
“Não há mais espaço para quem estuda somente após a publicação do edital. Outro fato relevante é a ampliação do mercado de cursos online no Brasil. Esse formato de estudo tem ganhado muitos adeptos, principalmente agora, em tempos de pandemia”, comenta.
Batist acha que a concorrência pelas vagas vai aumentar. “A pandemia prejudicou muito a economia brasileira, gerando, entre outras consequências, desemprego ou redução de renda para milhões de pessoas. Isso tende a levar a um aumento na concorrência dos concursos que, em crises econômicas, são vistos mais frequentemente como oportunidades de trabalho e renda. Com muito mais mão de obra disponível, a tendência é que a concorrência aumente”, analisa.
Fonte: G1.