Relatórios feitos pela Controladoria-Geral do Estado apontam uma série de irregularidades e falhas nos processos de compras de respiradores e de testes RT-PCR feitos pela Secretaria de Estado de Saúde para enfrentamento da Covid em Minas Gerais.
Itens comprados em quantidades insuficientes, seleção de fornecedores sem verificação de autorização da Anvisa, contratos baseados em estimativas e sem destinação dos produtos e até orçamentos com negócios que não são do ramo estão entre os achados das auditorias.
Segundo a CGE, a primeira falha cometida pelo governo, tanto no processo para a compra de respiradores quanto para a aquisição de testes de Covid-19, foi a elaboração do Termo de Referência após a escolha da empresa.
Conforme entendimento do Tribunal de Contas da União, mencionado pela Controladoria, este documento é obrigatório e deve ser feito antes até mesmo do processo de cotação de preços para detalhar, a partir de estudos técnicos, o produto que será adquirido, quantidade necessária, requisitos e outros.
Respiradores
A Secretaria de Estado de Saúde fez dois contratos para a compra de 1.047 respiradores. Um com a KTK Indústria, para a aquisição de 747 aparelhos, sendo 185 para transporte, no valor total de R$ 43,9 milhões. O outro contrato, com a Air Liquide, previa a compra de outros 300 equipamentos, no valor final de R$ 7,3 milhões.
As duas contratações foram feitas levando em consideração estimativas, com base em uma possível abertura de leitos – o que, para a CGE, representa risco de comprar algo que não atenda a demanda. Não existia uma definição prévia de quais hospitais nem quais municípios receberiam os equipamentos.
Ainda de acordo com o relatório da CGE, a expectativa da Secretaria de Estado de Saúde em abril do ano passado era de abrir 1.655 novos leitos, para os quais seriam necessários 1.517 respiradores. Apesar desta estimativa, não há explicação nestes processos de por que a aquisição foi abaixo do esperado e as providências adotadas para a aquisição dos demais.
A Seplag informou que, além destas compras do governo, houve recebimento de doação de 100 respiradores da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e reparo de outros junto a parceiros da iniciativa privada, o que garantiu a ampliação dos leitos.
No caso dos respiradores adquiridos da KTK, o processo de compra levou em consideração o preço de referência do Ministério da Saúde, de R$ 60.141 a unidade, para os dois tipos – o utilizado em leitos e o de transporte. Mas, enquanto o modelo para utilização em leitos foi comprado por R$ 70 mil, o de transporte teve o preço de R$ 25 mil, sem que houvesse justificativa para esta variação grande.
Além disso, a KTK se encontrava, no momento do contrato, em processo de recuperação judicial e, mesmo assim, não consta nenhuma certidão de regularidade fiscal o que, segundo a CGE, traria "maior segurança jurídica ao processo e evitar questionamentos do controle externo ao gestor”.
A Seplag disse que se respaldou na Lei Federal 13.979, em que "fica dispensada a apresentação de documentação de regularidade fiscal, ou, ainda, o cumprimento de um ou mais requisitos de habilitação".
Aquisição de testes
O contrato para compras de testes RT-PCR, que é o indicado para diagnóstico da Covid-19, só foi formalizado pelo Estado em 31 de março do ano passado – o primeiro caso foi confirmado no dia 8. O governo explicou que a aquisição se deu como parte do plano de contingência, já que os testes são fornecidos pelo Ministério da Saúde.
A empresa selecionada foi a Síntese Bitecnologia, que já era fornecedora do Estado. Para o levantamento de preços, a Secretaria de Estado de Saúde informou diferentes necessidades a cada um dos contactados. Segundo o relatório da CGE, foram feitas:
Uma solicitação de orçamento informa a necessidade de 18 milhões de testes
Duas solicitações pedem 750 mil unidades de dois dos itens que compõem o RT-PCR
Uma proposta comercial com indicação de quantitativo equivalente a 150 mil testes, que é da empresa vencedora;
Cinco solicitações de orçamento para "o quantitativo que a empresa tiver";
Uma solicitação que informa a necessidade de um milhão de testes;
Além de um quadro comparativo de preços que indica a quantidade de 450 mil testes.
Para a Controladoria, "a imprecisão do que se necessita adquirir, somada às condições de mercado, interfere tanto na apuração do preço como nas propostas comerciais dos potenciais fornecedores e na estimativa da capacidade de entrega dos mesmos".
O orçamento escolhido pelo governo, que indicava a quantidade de 150 mil testes, contemplava cinco insumos diferentes, que compõem o kit RT-PCR, ao invés de contemplar o kit completo. Um destes itens, o reagente de extração de RNA, teve uma grande redução entre a demanda levantada pela SES, que era de 600, para a quantidade realmente adquirida, que foi 170. Segundo explicação dada à CGE, este era o volume máximo que a empresa era capaz de ofertar.
Entretanto, segundo a Controladoria, a Secretaria de Estado de Saúde não demonstrou, em documentos, o impacto desta redução para o número total de testes a serem realizados, nem mencionou como evitar que os outros insumos ficassem parados e os testes deixassem de ser realizados.
O quantitativo, segundo o relatório da CGE, permitiria a realização de apenas 42.500 exames, um terço da última quantidade prometida.
Outras falhas foram constatadas ainda no processo de orçamento. Segundo a CGE, não há planilhas com a composição de todos os custos unitários ou provas de que se buscou o melhor custo benefício. Também não foram consultados os registros dos fornecedores na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O governo disse, no entanto, que grande parte dos insumos é utilizado para pesquisa e afirmou que, para estes insumos, o controle de cadastro de registros "não se aplica".
Depois da compra, o governo não tinha mecanismos de controle que garantissem a compatibilidade da quantidade recebida em relação ao valor pago.
Em relação a compra de itens separadamente ao invés do kit PCR completo, o governo disse que "ao final da orçamentação, obteve-se diversas respostas com negativa de fornecimento dos fornecedores e outras cotações com disponibilidade para atendimento, conforme instrução presente no processo de compras, resultando na elaboração de um mapa de preços. No mapa, há uma tabela para cada item solicitado, sendo organizada por fornecedor, marca/modelo, prazo de entrega, forma de pagamento, valor unitário e valor total. Ao final da montagem deste mapa, restou claro que, para todos os itens, a empresa Síntese Biotecnologia LTDA possuía o menor preço unitário."
Veja o que mais disse a Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag):
"A Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag) informa que a compra dos 1.047 respiradores adquiridos ao menor preço médio do país foi acompanhada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e pela Justiça Federal, que, inclusive, foi a responsável pela liberação financeira dos valores.
Em razão da pandemia e da escassez de equipamentos e insumos relacionados à saúde, houve urgência nos processos de aquisição, para evitar que faltassem leitos e atendimento à população. Essa compra permitiu que, hoje, Minas tenha mais de 4.400 leitos de UTI, enquanto no início da pandemia eram cerca de 2 mil leitos.
O cenário levou à edição de normas específicas para o enfrentamento, com destaque para a Lei 13.979/2020, que flexibilizou regras comumente verificadas no processo regular de contratações públicas.
Os questionamentos apontados nesta demanda foram devidamente respondidos à Controladoria Geral do Estado (CGE) e as recomendações foram acatadas para observação em processos futuros. As implementações constam em planos de ações específicos que estão sendo igualmente acompanhados pela CGE."
Fonte: G1