A vida corrida pode parecer um argumento propício para justificar o consumo, por exemplo, de produtos industrializados. Produzir seus próprios alimentos e cuidar de hortas, então, quase nem passa pela cabeça das pessoas, que consideram os espaços cada vez menores dos apartamentos inapropriados ou insuficientes para cultivar alimentos saudáveis e orgânicos. Mas isso não passa de um engano.
Na realidade, cultivar em pequenos espaços é possível e uma alternativa viável para hortas de várias formas e tamanhos. É o que afirma a pesquisadora da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) em Viçosa, Wânia dos Santos Neves.
“A implantação de hortas em comunidades rurais e/ou urbanas vem ganhando espaço e tem grande importância devido ao interesse da população na busca de alimentos mais saudáveis. Outros benefícios que buscamos conseguir com a atividade são: promover geração de renda complementar, promover a inclusão social, aumentar a diversidade de verduras no cardápio e estimular a convivência com vizinhos e familiares, promovendo assim a melhoria de vida da população local”, sinaliza.
Por isso, aponta Wânia, é necessário que as pessoas tomem conhecimento de que mesmo em pequenos espaços é possível o cultivo de hortaliças e plantas ornamentais. “O objetivo do nosso trabalho é apresentar diferentes formas de cultivo em pequenos espaços, oferecendo a muitos a possibilidade de produção de alimentos, mesmo que em pequena escala”, reforça a pesquisadora.
Projeto
Para mostrar como um cantinho esquecido em casa e uma varanda de apartamento podem ganhar um destino saudável e sustentável, a equipe coordenada por Wânia trabalhou na implantação de hortas agroecológicas, inclusive com a construção de uma unidade demonstrativa de cultivo de hortaliças. Tudo feito numa área cimentada, com 30 metros quadrados, utilizando diferentes recipientes, para mostrar a possibilidade de plantio em vasos e embalagens recicladas, como garrafas pet.
Na horta agroecológica implantada foram cultivadas hortaliças, como pimentas malagueta, dedo de moça e biquinho, berinjela, jiló, espinafre, alface, agrião, couve, cenoura; ervas medicinais e aromáticas, como cebolinha, salsinha, orégano, camomila, hortelã, arruda, boldo, melissa; além de hortaliças não convencionais, como taioba, capuchinha, jequeri e ora-pro-nobis.
Durante todo o ano de 2017, ressalta Wânia, serão programadas visitas de escolas do ensino fundamental e médio do município para apresentar o modelo e incentivar o cultivo.
“Como a unidade demonstrativa ficou pronta no final de novembro, final do ano letivo, ainda não foram agendadas visitas junto a escolas públicas. Neste mês de fevereiro, com o retorno das aulas, vamos divulgar o trabalho nas escolas e ver quais terão interesse de participar”, explica. “Na Semana do Fazendeiro 2017, realizada pela UFV, vou oferecer um curso sobre o tema com parte teórica e com a visita à Unidade como parte prática”, adianta a pesquisadora da Epamig..
Uma outra ação já realizada nesse contexto foi a montagem de uma horta no Centro Social Dra. Zilda Arns (Pastoral do Menor), localizado no bairro Santa Clara, com a ajuda de alunas do curso de Licenciatura em Educação do Campo da Universidade Federal de Viçosa. A pesquisadora revela que, no centro de recreação e educação, as próprias crianças cuidam das plantas e acompanham o crescimento da horta, estimulando o consumo de alimentos saudáveis desde a infância.
“Também estabelecemos contato com adultos da terceira idade do bairro Santa Clara para construção de uma horta vertical com plantas medicinais, oferecendo cursos sobre a prática de cultivo agroecológica e plantas medicinais que serão ministrados por pesquisadores da Epamig”, complementa Wânia.
Cultivo residencial
Embalagens podem ser adquiridas até gratuitamente para iniciar a horta residencial (Crédito: Fernanda Fabrino/Epamig)
Para a escolha das espécies ou variedades a serem cultivadas, é importante levar em consideração o clima da região. “Hábitos alimentares pessoais também devem ser levados em consideração, já que determinadas espécies são muito consumidas por algumas pessoas e outras nem tanto. A escolha, nesse caso, vai depender das hortaliças preferidas pelos integrantes de cada família”, comenta Wânia.
São diversas as opções para os interessados em montar as hortas em pequenos espaços. São exemplos destacados por Wânia:
Hortaliças - pimenta malagueta, pimenta dedo de moça, pimenta biquinho, berinjela, jiló, espinafre, alface, agrião, couve, cenoura, tomate, entre outras.
Plantas medicinais - hortelã, manjericão, camomila, arruda, boldo, melissa, entre outras; Ervas condimentares – salsinha, cebolinha, coentro, orégano, entre outras.
“O local escolhido deve ser de fácil acesso, receber de quatro a cinco horas de sol por dia para um melhor desenvolvimento das plantas, ter disponibilidade de água de qualidade para irrigação e ser protegido contra ventos fortes, evitando a quebra de galhos, folhas ou de plantas jovens” orienta a pesquisadora. “Deve-se, ainda, evitar a entrada de galinhas, cachorros ou qualquer outro animal na área para que não destruam plantas, derrubem vasos ou estraguem os canteiros”, acrescenta.
Quanto aos custos, Wânia aponta como muito baixos. “Somente as sementes ou mudas devem ser adquiridas no comércio. As embalagens (garrafas pet, latas e caixas de leite, etc.) e suportes (pallets, caixotes, telas etc.) podem ser conseguidos gratuitamente”, detalha.
Importante é saber que uma horta pode ser construída de vários formatos e de tamanhos diferentes. “É possível cultivar algumas hortaliças em recipientes (vasos, caixas, etc.) de diferentes tamanhos no chão ou fazer o plantio no modelo de jardim suspenso (horta vertical)”, observa a pesquisadora.
Algumas ferramentas e materiais são comuns e necessários para o cultivo em qualquer tipo de horta, mesmo de pequenas dimensões. “Alguns exemplos são: enxada grande, pá de plantio, tesoura de poda, faca, regador ou mangueira, balde, adubos, substrato mineral e bandejas de isopor ou de plástico para produção de mudas e carrinho de mão”, recomenda Wânia.
Passo a passo
Confira, a seguir, as dicas da pesquisadora da Epamig, Wânia Neves, para os interessados em iniciar a horta dentro de suas casas e apartamentos, mesmo em pequenos espaços:
Neste ano, também está prevista para abril a publicação de um Informe Agropecuário da Epamig sobre hortas. Nele, indica a pesquisadora, “serão abordados diferentes temas destinados a quem tem o interesse em construir uma horta. Em um dos capítulos, intitulado ‘Cultivo de Hortaliças em Pequenos Espaços’, estarão descritas todas as informações para quem quer iniciar a atividade em sua residência”, comenta. Os interessados devem ficar atentos às novidades e lançamentos no site da Epamig.
Origem
O trabalho com hortas no sistema agroecológico teve início com atividades no Norte de Minas Gerais em 2009. Primeiro com um projeto financiado pelo CNPq e outro, de sequência, financiado pela Fapemig.
A partir da captação de água de chuva foram construídas hortas em diferentes localidades da região, associações e nos campos experimentais da Epamig Norte. As hortas agroecológicas, inclusive, contribuíram para melhorar a alimentação dos moradores do Vale do Jequitinhonha e do Norte de Minas (Saiba mais neste link).
“O resultado foi maravilhoso. Todos os anos montamos uma horta para exposição de Janaúba e em alguns anos na exposição de Montes Claros também. Atendemos mais de 700 crianças por ano, que iam ao parque de exposições com auxílio da prefeitura. É um grande sucesso", completa a pesquisadora.
Em janeiro de 2016, após ser transferida para a Epamig Sudeste (Viçosa, MG), Wânia ministrou alguns cursos na Semana do Fazendeiro. Foi nesta experiência que lhe pediram para oferecer um curso sobre hortas domésticas no ano seguinte.
“Eu já havia comentado com os participantes sobre as hortas montadas durante a execução dos projetos no Norte de Minas. A pesquisadora Cleide Maria Ferreira, sabendo da minha experiência na área, teve a ideia de utilizar uma área no prédio da Epamig e me fez a proposta de construir uma horta para demonstração”, destaca.
A pesquisadora Cleide forneceu, inclusive, o apoio financeiro para reparos na estrutura física para que se chegasse ao formato da unidade demonstrativa, que hoje serve de modelo para escolas e instituições.
Ouça a entrevista da pesquisadora Wânia dos Santos Neves ao Programa Em Tempo Real da Rádio Montanhesa Viçosa: