Tese de doutorado apresentada por pesquisadora na UFV cria metodologia inovadora. Após isso, os testes na cidade de Viçosa ganharam visibilidade mundial.
Conflitos ambientais são cada vez mais comuns em todos os lugares. Isso porque um recurso ambiental tem sentidos diferentes para empreendimentos empresariais e para comunidades locais atingidas. Tem sido assim em iniciativas que envolvem uso de água, terras, áreas ricas em minérios ou destinadas a depósitos de lixo e tantos outros recursos naturais que geram conflitos em diferentes níveis. Entender a complexidade destes conflitos em diferentes níveis é um desafio para as ciências sociais. Esse foi o objetivo de uma tese de doutorado defendida na UFV. Os resultados também colaboraram para que uma conhecida disputa entre a comunidade de Viçosa e uma mineradora fosse registrada em um Atlas Mundial sobre justiça ambiental.
A tese foi defendida no Programa de Pós-Graduação em Economia Doméstica pela pesquisadora Pollyana Martins Santos, orientada pelos professores Maria das Dores Saraiva de Loreto e Marcelo Leles Romarco de Oliveira. Durante a pesquisa, Pollyana, que é bacharel em Direito, estava em busca de parâmetros que ajudassem a entender conflitos ambientais de qualquer natureza. Por isso, o trabalho teve como objetivo criar uma metodologia capaz de analisar e classificar os diferentes níveis e tipos de disputas envolvendo recursos ambientais.
A metodologia
O modelo desenvolvido baseia-se em conceitos de justiça e de conflitos ambientais; nos instrumentos legais que regulam estas disputas e nas complexas redes sociais que as articulam. A metodologia prevê a classificação dos conflitos ambientais em três estágios: a identificação dos atores envolvidos e suas redes sociais de apoio; a descrição dos estágios atravessados pela situação de conflito; a forma de apropriação dos instrumentos legais aplicáveis e os prováveis desfechos para a construção de justiça ambiental. “Não oferecemos um modelo fechado, pois cada pesquisador irá avaliar o conflito a partir do seu próprio campo de pesquisas. Nós procuramos apontar elementos essenciais para compreensão e análise das disputas que impactam desproporcionalmente as comunidades socialmente mais vulneráveis”, explica Pollyana. Ela conta ainda que a metodologia pode ajudar também no trabalho de governos, organizações não governamentais e órgãos da Justiça, como o Ministério Público.
Testando a metodologia com um caso que envolve Viçosa
Para testar o modelo, os pesquisadores avaliaram o conflito ambiental provocado pela empresa Ferrous Resources do Brasil S.A. Com 450 km de extensão, o empreendimento iria transportar 50 milhões de toneladas de minério de ferro ao ano, atravessando 22 municípios, nos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Segundo a pesquisadora, caso fosse implementado, o mineroduto atravessaria diretamente os mananciais do município de Viçosa, comprometendo o abastecimento hídrico da cidade, historicamente fragilizado, e impactando diretamente mais de 72 mil pessoas, dentre população urbana e comunidades rurais. A resistência ao empreendimento envolveu mobilização popular e questionamentos técnico e jurídico. “O conflito durou 5 anos e a resistência foi considerada um fator decisivo para a não construção do mineroduto”, disse Pollyana.
A análise do conflito usando a metodologia proposta pela pesquisa acabou levando a tese e o caso a serem registrados no EJAtlas, um projeto criado pelo Institute of Environmental Science and Technology (ICTA) da Universidade Autônoma de Barcelona, e que tem por objetivo documentar e catalogar conflitos ambientais e lutas por justiça ambiental em todo o mundo. A ferramenta disponibiliza a consulta aberta e gratuita de quase quatro mil casos de disputas ambientais no planeta.
A plataforma EJAtlas pode ser acessada pelo site ejatlas.org.